Sete homens e um destino
A sala de julgamento estava menor do que o necessário para a numerosa platéia. Eram sobretudo advogados vindos da Paraíba para assistir a última sessão da instância eleitoral que decidiria, em pauta única, o destino de Cássio Cunha Lima, o governador reeleito em 2006 com mais de 1 milhão de votos dos paraibanos. Por intuição, ou seja lá por qual ‘sentido’, comecei a perceber, antes da manifestação do juiz-relator, os sinais de degola do governador vitorioso nas urnas. Saí do plenário com essa quase certeza logo após a sustentação oral dos advogados das partes. O clima estava pesado e o ambiente hostil, em escala crescente. A sessão sequer havia começado e o relator já estava com cara de cassador. Os advogados do PSDB e do DEM revelavam no semblante a derrota pelas preliminares arguidas. E os causídicos que defendiam Cássio já não envergavam com segurança a toga preta. Pareciam entregar os pontos, como se o placar já marcasse 1 a 0, com a derrota nos debates orais. Na outra ponta, os advogados do candidato derrotado exibiam por antecipação o sorriso dos vitoriosos. Mesmo com a sensação do fracasso antecipado, permaneci no prédio (não na sala) do TSE até o fim, talvez para ser testemunha por inteiro daquele momento singular para a Paraíba. Um momento tão raro quanto sorumbático para a democracia, os eleitores e a própria história. Mas, afinal, por que Cássio foi cassado por aqueles 7 homens aos quais é dado o poder de decidir o destino de mais de 3 milhões e 600 mil paraibanos? Conheço os pontos fundamentais do processo. Ponto 1: Cássio teria distribuído 35 mil cheques da FAC, inclusive no período eleitoral. Não é verdade! Ponto 2: a lei que instituiu o programa social do governo não existe. Uma inverdade! Ponto 3: não havia previsão em lei orçamentária. Outra inverdade! Assim, de equívoco em equívoco a Corte, por unanimidade, deu o golpe de misericórdia no mandato do legítimo governador dos paraibanos, determinando que o candidato derrotado ocupe a cadeira que, pelas urnas, jamais voltaria a ser sua. Aprendi algumas lições de Direito nos bancos escolares, seja como estudante ou professor. Uma, dos romanos, sentenciava: dizer e não provar, é nada dizer. Na hipótese presente, o acusador não tinha prova e a prova do acusado ficou invisível aos olhos dos julgadores. Uma única testemunha, notoriamente suspeita, afirmou que recebeu seu cheque moradia com uma fotografia do governador. Voltemos aos romanos: palavra de um, palavra de nenhum. Para completar o enredo, o vice-governador eleito José Lacerda foi cassado sem que tivesse o direito de produzir prova, em flagrante ofensa a outro princípio caro ao Direito – o da ampla defesa. Mais grave é saber que a Corte Eleitoral tem um precedente recentíssimo em relação ao vice-governador de Santa Catarina. A propósito, outro dia eu estava no plenário do Supremo Tribunal Federal e na pauta um processo penal oriundo de São Paulo. O motivo do recurso residia no simples fato de que, no julgamento do Tribunal estadual, a ordem da palavra havia sido invertida no momento da sustentação oral do ministério público e da defesa, em sede de alegações finais. Embora tendo o STJ mantido a decisão recorrida, o STF decidiu pela anulação do julgamento por ter havido a redução do direito de defesa. Imagine a supressão da fase de produção de prova e elaboração de peças de defesa, como no caso de Lacerda! Fugindo à tradição, Cássio foi cassado pelo TSE numa única sessão noturna e sem o corriqueiro pedido de vista. Embora tenha a convicção de que o bom direito estava ao lado do governador, não ouso duvidar da seriedade dos que o julgaram. E nem questiono a atuação dos advogados de defesa. Porém, esse julgamento me remeteu para bem longe de hoje, ao relembrar um fato que insiste em se perpetuar na minha memória. Aluno de Direito na Universidade Católica de Pernambuco, o professor-padre de Teologia desafiou a turma a responder a esta pergunta: tem o erro direito? Agora sou eu que pergunto aos 11 ministros da Suprema Corte: tem o erro direito?
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